O
pagamento de auxílio-moradia a parlamentares tornou-se sinônimo de
farra com dinheiro público nas Assembleias Legislativas brasileiras.
Deputados estaduais de sete estados recebem todo mês no contracheque a
verba sem que haja qualquer controle sobre se eles tiveram ou não esse
tipo de despesa. A conta para o contribuinte chegará neste ano a R$ 11,5
milhões. A remuneração é dada de forma automática e indiscriminada a
todos os parlamentares, inclusive para aqueles que têm residência fixa
nas cidades onde ficam os Legislativos, o que, em princípio, dispensaria
o benefício.
Adotam a prática polêmica as Assembleias Legislativas de São Paulo,
Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Santa
Catarina. Mais do que moradia garantida, há deputados que têm diversos
imóveis residenciais nas capitais e, mesmo assim, são contemplados com a
verba.
No Maranhão, O GLOBO encontrou seis imóveis em São Luís na declaração
do deputado Manoel Ribeiro (PTB) à Justiça Eleitoral, em 2010, e sete
na declaração de Antonio Pereira (DEM). Em São Paulo, há, pelo menos,
quatro casos: Campos Machado (PTB), que tem 13 imóveis declarados na
capital paulista; Salim Curiatti (PP), com cinco; Edson Ferrarini (PTB),
com oito; e Celino Cardoso (PSDB), com cinco.
Em São Paulo, o caso foi parar no Ministério Público estadual, e a
Justiça suspendeu, via liminar, o pagamento do auxílio aos 94 deputados
paulistas no fim de janeiro. É a primeira decisão desse tipo no país. Ao
todo, 388 deputados estaduais recebem o auxílio no contracheque sem
precisar comprovar despesas.
Para o MP, da forma como está sendo usado, o benefício assemelha-se
mais a “benesse” do que a ajuda de custo. A promotoria tomou
conhecimento da prática, por acaso, durante uma investigação, em 2006,
sobre possíveis pagamentos indevidos aos deputados, como verbas de
gabinete, auxílio-paletó e contratação de seguro de vida. Foi instaurado
um inquérito à parte e, no ano passado, a promotoria apresentou
representação contra a Assembleia sobre o auxílio-moradia.
O juiz entendeu que o auxílio-moradia é uma verba de caráter
indenizatório, ou seja, paga como reembolso. Mesmo entendimento tem tido
o Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar casos de pedido de
incorporação do auxílio-moradia às aposentadorias. Até hoje, a Corte
nunca foi provocada a analisar a concessão automática do auxílio nas
Assembleias.
A Assembleia paulista informou que recorrerá da decisão. Apesar da
determinação judicial, o pagamento de janeiro foi realizado — cerca de
R$ 211 mil.
Pelo país, os números mostram que, se a verba fosse paga com mais
rigor, a economia para os Legislativos seria relevante. No Maranhão, por
exemplo, ela chegaria a 44%. Neste ano, o estado deverá desembolsar R$
1,1 milhão com a regalia. São Paulo reduziria pelo menos em um terço a
despesa de R$ 2,5 milhões prevista para este ano. Na Bahia, segundo a
assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa, 90% dos deputados
estaduais têm residência em Salvador.
O auxílio-moradia adotado pelos Legislativos estaduais é similar ao
pago pela Câmara dos Deputados. Em Brasília, ele é uma ajuda de custo
para os parlamentares que não ocupam um dos 432 apartamentos funcionais
(ao todo, são 513 deputados federais). Nas Assembleias, deveria ser
concedido a quem mora distante da capital para pagar aluguel ou
hospedagem nos dias de trabalho no Legislativo. O teto do auxílio
federal é de R$ 3 mil. As Assembleias — exceto Santa Catarina — adotam
como valor 75% desse montante (R$ 2.250), mesmo critério usado para o
cálculo do salário dos deputados.
Em Santa Catarina, além de auxílio-moradia incorporado ao salário sem
necessidade de prestação de contas, os deputados ainda conseguiram, no
apagar das luzes de 2012, aumentar a verba em 79%. Desde então, o estado
é o que paga o benefício mais generoso do país a deputados estaduais:
R$ 4.378. Apenas um dos 42 deputados da Casa abriu mão da regalia.
Para justificar o aumento, os deputados usaram uma brecha jurídica
criando isonomia ao valor pago como auxílio-moradia para os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF), que desde setembro de 2011 tem o mesmo
valor hoje pago em Santa Catarina. O presidente da Assembleia
Legislativa, Joares Ponticelli (PP), disse que, “como não se trata de
subsídio”, a Assembleia não precisaria seguir a regra determinando que a
verba poderia ser, no máximo, o equivalente a 75% do que se paga na
Câmara.
— O preço do aluguel não faz diferença para a hierarquia de cargo.
Tanto vale para o deputado estadual, o federal, o desembargador ou o
ministro — disse ele.
Dos cinco deputados que moram na Região Metropolitana de
Florianópolis, apenas Edson Andrino (PMDB) abriu mão da verba. As
bancadas de PT, PC do B e PDT até votaram contra o reajuste, mas nenhum
deles abriu mão do valor extra quando ele começou a ser pago.
O deputado Sargento Amauri Soares (PDT), que vive na Grande
Florianópolis, garantiu ter votado contra o reajuste, porque, segundo
ele, trata-se de uma forma disfarçada de salário. No entanto, ele não
abriu mão do benefício, alegando que doaria o valor:
— É uma forma disfarçada de aumentar o salário. Vou contribuir com
esse valor para a construção de uma escola de formação de agentes
sociais.
De todos os Legislativos consultados, somente o do Rio de Janeiro
exige comprovante de gasto com aluguel ou hospedagem para liberar o
auxílio. O benefício fluminense é de até R$ 2.250 para deputados que
morem a mais de cem quilômetros da capital. É pago inclusive durante o
recesso, segundo deputados que recebem o benefício, pois o recesso seria
do plenário, não do gabinete, e muitos parlamentares iriam ao gabinete
durante o período. Para comprovar a necessidade do auxílio, é exigido,
mensalmente, o recibo do aluguel ou da diária do hotel que o parlamentar
teve de pagar no Rio.
Nos demais estados consultados, a maioria das Assembleias argumentou
que não disponibiliza o benefício porque os deputados teriam residência
nas capitais.
— Não temos isso aqui, não. Todo mundo tem imóvel em Teresina. Não há
necessidade — disse o presidente da Assembleia do Piauí, Themistocles
Filho (PMDB).
São 16 estados nesse grupo. Goiás é o caso mais recente. Segundo a
Assembleia Legislativa, um ato assinado na sexta-feira passada extinguiu
o benefício.
O pagamento automático da ajuda de custo está tão incorporado à
rotina dos deputados que, às vezes, é esquecido pelos próprios. No Mato
Grosso do Sul, o presidente do Legislativo há quatro mandatos, Jerson
Domingos (PMDB), desconhecia a existência do benefício. Primeiro,
afirmou ao GLOBO que não existia o auxílio para os parlamentares.
— As distâncias percorridas pelos deputados para chegar à Assembleia
são curtas, de 100 a 200 quilômetros. Não tem necessidade — disse.
Mais tarde, ele retornou a ligação para se corrigir:
— Pagamos, sim, auxílio-moradia. É 75% do que recebe o deputado
federal. (Colaboraram Alessandra Duarte, Carolina Benevides e Juraci
Perboni).
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